O NOSSO TEMPO

tenho aprendido com o tempo,
que a felicidade vibra,
na frequência das coisas mais simples...
como a doçura contente de um cafuné sem pressa...
como os instantes que repousamos os olhos em olhos amados...
como aquele poema que parece
que fomos nós que escrevemos...
como o toque da areia molhada sob os pés descalços...
como o sono relaxado e tranquilo
que põe todos os sentidos pra dormir...
como a presença da intimidade legítima e verdadeira...
como o banho bom que devolve forças ao corpo...
como o cheiro de quem se ama...
como essas coisas...
como outras coisas...

simples assim...

como o nosso amor...

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Obrigação de namorar...


se você é deste século,
já sabe que há duas tribos
que definem o que é um relacionamento moderno.
Uma é a tribo dos ficantes,
o ficante é o cara que te namora
por duas horas numa festa,
se não tiver se inscrito no campeonato:
quem pega mais numa única noite,
quando então ele será seu ficante
por bem menos tempo
— dois minutos —
e irá à procura de outra
para bater o próprio recorde,
é natural que garotos e garotas
queiram conhecer pessoas,
ter uma história,
um romance,
uma ficada,
duas ficadas,
três ficadas,
quatro ficadas...
esquece,
não acho natural coisa nenhuma,
considero um desperdício de energia,
pegar sete caras,
pegar nove minas,
a gente está falando de quê,
de catadores de lixo?
pegar, pega-se uma caneta,
um táxi,
uma gripe.
não pessoas,
pegue-e-leve,
pegue-e-largue,
pegue-e-use,
pegue-e-chute,
pegue-e-conte-para-os-amigos,
pegar, cá pra nós,
é um verbo meio cafajeste,
em vez de pegar,
poderíamos adotar
algum outro verbo menos frio,
porque, quando duas bocas se unem,
nada é assim tão frio,
na maioria das vezes
esse não estou nem aí,
é jogo de cena,
vão todos para a balada
fingindo que deixaram o coração em casa,
mas deixaram nada,
deixaram a personalidade em casa,
isso sim,
no entanto,
quem pode contra o avanço (???)
dos costumes
e contra a vulgarização do vocabulário?
falando nisso,
a segunda tribo a que me referia
é a dos namoridos,
a palavra mais medonha que já inventaram,
trata-se de um homem híbrido,
transgênico.
em tese,
ele vale mais do que um namorado
e menos que um marido,
assim que a relação começa,
juntam-se os trapos
e parte-se para um casamento informal,
sem papel passado,
sem compromisso de estabilidade,
sem planos de uma velhice compartilhada,
namoridos não foram escolhidos
para serem
parceiros de artrite,
reumatismo e pressão alta,
era só o que faltava,
pois então,
a ideia é boa e prática,
só que o índice de príncipes e princesas
virando sapo é alta,
não se evita o tédio conjugal
(comum a qualquer tipo de acasalamento sob o mesmo teto)
e pula-se uma etapa quentíssima,
a melhor que há,
trata-se do namoro,
alguns já ouviram falar,
é quando cada um mora na sua casa
e tem rotinas distintas
e poucos horários para se encontrar,
e esse pouco ganha a importância de uma celebração,
namoro é quando
não se tem certeza absoluta de nada,
a cada dia um segredo é revelado,
brotam informações novas
de onde menos se espera,
de manhã,
um silêncio inquietante,
a tarde, um mal-entendido,
a noite, um torpedo reconciliador
e uma declaração de amor,
namoro é teste,
é amostra,
é ensaio,
e por isso a dedicação é intensa,
a sedução é ininterrupta,
os minutos são contados,
os meses são comemorados,
a vontade de surpreender não cessa
e é a única relação
que dá o devido espaço para a saudade,
que é fermento e afrodisíaco,
depois de passar os dias
se vendo só de vez em quando,
viajar para um fim de semana juntos
vira o céu na Terra:
nunca uma sexta-feira
nasce tão aguardada,
nunca uma segunda-feira
é enfrentada com tanta leveza,
namoro é como o disco
Sgt. Peppers, dos Beatles:
parece antigo e, no entanto,
não há nada mais novo e revolucionário,
o poeta Carlos Drummond de Andrade
também é de outro tempo e é para sempre,
é ele quem encerra esta crônica,
dando-nos uma ordem para a vida:
cumpra sua obrigação de namorar,
sob pena de viver apenas na aparência,
de ser o seu cadáver itinerante...

Martha Medeiros
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8 comentários:

  1. Namoro é tudo de bom mesmo! Martha colocou tudo ! Uma fase linda na qual, estamos loucos pra juntos morar...Ficar o tempo todo juntos. beijos, lindo setembro! chica

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  2. Oi Rô,
    Ainda não tinha lido este texto da Martha Medeiros e gostei muito, mas não sei se ela está certa ou não, pois as coisas mudam, e se perguntassem para minha mãe, ela diria o mesmo sobre transar antes de casar. Ela acharia que o romantismo estava sendo roubado.
    Cada geração tem os seus costumes e só quem vive sabe.
    Bjs

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  3. Olá Rô,

    Excelente essa crônica da Martha. Ao mesmo tempo que diverte, também remete à época dourada dos lindos romances, construídos na forma do namoro tradicional. Nada mais gostoso do que namorar na real essência da palavra. Pena que nem todas as transformações sejam para melhor. Se bem que assim possa ser na visão da juventude atual, né não?

    Lindo e feliz setembro.

    Ótima semana.

    Beijo.

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  4. Um texto que encaixa direitinho nesses nossos dias.
    Dias feios, diga-se de passagem.Penso que nem os que vivem esse troca troca 'ficante' devem gostar.Mas precisam entrar na onda.. da vulgaridade total.É mais fácil do que se rebelar.
    Quem sabe um dia o romantismo volte para essa meninada porque eles não sabem o que perdem...
    beijos Rô
    Gosto da Martha Medeiros _ é uma voz feminina que escreve o cotidiano bem próximo de nós.
    boa semana

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  5. Oi, Rô! Também não gosto dessa "pegação" relâmpago. Especialmente quando praticada por adultos, só demonstra imaturidade e desrespeito emocional. Beijos!

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  6. Puxa Rô, naõ conhecia esse texto e achei dez! Ficar não tá com nada! Isso é invenção de gente sem sentimentos. bjs e boa semaninha,

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  7. Uau Rô que texto bacana! Eu tenho alma velha sabe, vai ver é por isso que vivo sozinha, mas prefiro ficar assim do que me aventurar com esse tipo de relacionamento que só massacra a alma né?!
    Concordo com vc! Beijão! :)

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já estava com saudades...
é muito bom ver você aqui...
que o seu dia seja somente amor...